Intimidades da politikaos
Vivemos um momento em que o conservadorismo sequestrou a revolta e o caos é o método. Diante dessa realidade de uma teocracia miliciana neoliberal (que acumula nomes como as antigas aristocracias), sejamos platônicos demiurgos de mundos outros, imperfeitos, radicais, divertidos, íntimos, sensuais, desesperançados, embora amor dentro de nós tenhamos. Intimidades da politikaos apresenta obras que ofertam narrativas da criação como resposta à barbárie. Consideradas as “bocas” de um terreno ou casa, as portas são ao mesmo tempo proteção, comunicação e passagem, ligação entre o conhecido e o desconhecido. Em HABITUS Leonardo Gonçalves faz nas moradias estudantis da UFPB, uma cartografia social na qual as portas revelam a polissemia que se faz presente nesses espaços comuns. Uma experimentação audiovisual que explora as divergências e a diversidade discursiva de um período de crise. O poema de Álvaro de Campos que dá título ao experimento visual ULTIMATUM, de Alison Bernardes, mesmo tendo sido escrito em 1917, parece trazer as exigências capazes de pontuar qualquer conversa sobre o momento presente. Assim como Pessoa, Os cogitadores buscam responder aos anseios de seu tempo com uma declaração efusiva, e em sua forma audiovisual bastante espontânea. Em TENTE NÃO EXISTIR, Amanda Devulski traz imagens de arquivo que ironicamente bradam o presente de um lugar no tempo que não mais está. Uma dentre as várias crianças no registro de arquivo, a autora dilui aquela ideia da presença em uma escala topográfica, como em mapas que afirmam “você está aqui” e num gesto performático busca apagar a materialidade da sua presença. E é também a partir da hipérbole da escala topográfica que Kalor Pacheco inicia sua narrativa em MADEIRA DE LEI articulando sua história, lugar, fala e ancestralidade, com a trajetória social e histórica atravessada pelas mulheres negras e periféricas determinadas a atuar no trabalho doméstico, na tarefa do cuidar e servir. Uma narrativa que é um exemplo incontestável de que o pessoal é político. Embora sua produção também atravesse sua vida pessoal (Entre o terreiro e a cozinha, O menino que colhia cascas, Fugaz) em MANUAL DO ZUEIRA SEM NOÇÃO, Joacélio Batista apresenta um manifesto irônico e lúdico inspirado nas cartilhas de resistência anticapitalista. Com uma fotografia primorosa e uma abordagem despudorada das estratégias que alimentam a resistência, faz lembrar que rir também é um ato político. Como em uma caminhada montanha acima, SONÂMBULOS de Tiago Mata Machado garante uma experiência densa. O desamparo como uma exceção tornada regra, diante da incontestável insuficiência das democracias liberais necropolíticas em garantir à humanidade afetos soberanos, “como se a morte não fosse”, é a sensação expressa em uma narrativa que se estende como uma noite interminável, em que a vigília se confunde com o pesadelo. Ensaístico, alegórico, filosófico, incômodo, um filme que fala para o seu tempo e para os que virão “sobre um mundo branco que definha”.
Texto muito provocativo. Fiquei tentado a conhecer cada uma das obras referenciada. O início do texto fala sobre formas de resistir. Resisto, através da arte, da mediação literária, pelo posicionamento político, pelo compartilhamento de histórias. Sigo provocado e inspirado pelas palavras que agora pego para mim. Um ethos e um devir.
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