sexta-feira, 25 de maio de 2012

BOLSA PAMPULHA: ENTREVISTA DO LIVRO.







Ana Paula Cohen: Quando e como você iniciou sua produção como artista?

Joacélio Batista: Meu trabalho em vídeo começa no fim da habilitação de Cinema de Animação na Escola de Belas Artes da UFMG. Em 2002, numa viagem a São Paulo, fui à exposição Estratégias para Deslumbrar, onde vi os trabalho de Bill Viola, “The Reflecting Pool” (1977-79) e Éder Santos, “Memória” (2001). O Trabalho de Éder abria uma brecha para outra dimensão, tornando-a visível, porém intocável. "The Reflecting Pool" era como uma pintura que mudava a cada passagem; a paisagem se mantinha, mas as ações do sujeito em cena nunca eram a mesma. Fiquei imerso em total contemplação fluindo o modo como ele esculpia o tempo. Essas influências, somadas às minhas experiências prévias em animação, desembocaram no vídeo “Se estou certo por que meu coração bate do lado errado?” (2003), que considero meu primeiro trabalho.
A parceria em vídeo-performances e documentários com o artista Daniel Saraiva me aproximaram do CEIA, Centro de Experimentação e Informação da Arte, onde se deram outros encontros importantes na minha formação. Na residência na África do Sul, como parte do projeto Blind Spaces (2004), esse caminho tomou forma no documentário “Artifícios do Olhar” e na vídeo performance “Symunie”, ambos de 2005. Minha afinidade com o vídeo vem de toda essa mistura.

APC: No vídeo “Sala Nova da Casa”, me parece que há uma construção de história a partir da prática da contação de casos, ou memória oral, muito presente na cultura mineira. Mas o fato de você provocar uma contação de memórias compartilhadas entre três pessoas estreitamente relacionadas, mãe e duas filhas, me parece especialmente relevante, pois as perspectivas são diversas em vários sentidos, geracional, de relações hierárquicas intra-familiares (mãe, irmã mais velha, irmã mais nova), e de como cada uma delas tem intimidade para corrigir a memória de outra, e construir uma possível história/memória compartilhada. Você poderia me falar um pouco sobre isso?

JB: A conversa no fim do dia é um momento distinto do cotidiano das famílias no interior de Minas. É quando se senta a mesa, geralmente em volta do fogão, pra conversar sobre o dia, se entreter com memórias e causos. Com o café servido a mesa, a hierarquia familiar não se faz presente, as relações afetivas é que guiam o imaginário. Meus pais, avós, tios e primos são exímios contadores de estórias. O comum era que essas conversas durassem horas, todos podiam acrescentar ou contestar o que era contado. Hoje em dia, essas conversas se desfazem antes de começar a novela.

Num desses cafés, assisti minha mãe e minha avó comentando sobre as casas que viveram; o assunto serviu de gatilho pra uma imersão na memória. A cada fala de uma delas, a narrativa emergia cheia de detalhes e cada vez mais rica. Lembro-me de não querer buscar a câmera pra não perder nem um pingo da história. Mas a vontade de registrar ficou. Dois anos depois, no meio da gravação, minha Tia Edna – sempre tida como a detentora da “melhor memória” da infância entre as filhas de minha avó –apareceu e trouxe novos episódios que estavam guardados no particular de cada uma delas, como o costume das irmãs de realizar o enterro de bonecas no quintal de casa. Venho gravando os parentes mais velhos com alguma constância para poder registrar suas histórias sobre a família, os costumes e o que mais eles quiserem contar. Uma espécie de “arqueologia afetiva”, fazendo surgir estórias, preenchendo lacunas, amarrando as pontas de outros causos da vida...

APC:Me parece que no seu trabalho há um limite entre o que pode ser contado para o público e o que deve permanecer invisível, de forma semelhante à apresentação de um mágico, que perderia o sentido se tudo fosse visível e explicado. Você pode falar sobre esse elemento do seu trabalho?






JB: Acho que isso vem das trucagens que uso em meus vídeos e estava presente no trabalho “Sem passo, sem piso”. A pergunta “Como você fez isso?” é um tanto recorrente. A palavra trucagem surge nos filmes do francês George Méliès. Hoje ele é conhecido como um dos pioneiros do cinema, mas na época ele era aclamado como um grande ilusionista. Ele usava seus filmes como ferramentas para potencializar sua mágica. Esses truques são os primórdios dos efeitos especiais do cinema atual. Quando comecei a explorar essas técnicas de filmagem em minhas animações busquei referencia no trabalho manual, presente no pré-cinema de Méliès, para assim me distanciar da computação gráfica tão impregnada na imagem publicitária. Como adepto do lema “Faça você mesmo”, estudar os pré-cinemas e seus truques ajudou minha impaciência em esperar a chegada de verbas para realizar os projetos. Se esperasse isso não teria feito nem um terço dos trabalhos que já fiz. 

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