No dia 29 de julho minha querida amiga e colega de Bolsa Pampulha Ana Moravi, defendeu dissertação de Mestrado: Horizonte Transversais: Artes da Imagem e do Som em Minas Gerais (2000 - 1010). Ana fez um belo recorte sobre a produção audiovisual de mineira da ultima década.Com a autorização da mesma estou publicando aqui no blog o texto em que, a agora, Mestre em Artes Visuais pela UFMG comenta meus trabalhos.
Ana Moravi |
Pra saber mais sobre Ana Moravi:
http://youtube.com/anamoravi
http://anamoravi.blogspot.com
Abaixo o texto de Ana Moravi:
Entre causos, quadrinhos e viagens: [dez]ocupações
Joacélio Batista
Apreciador da deriva, Joacélio Batista é um viajante de mente aberta e sensibilidade alerta, que tem na família o pouso do afeto e mil causos para contar. Dos causos aos vídeos, seu imaginário mergulhou nas histórias em quadrinhos, filmes hollywoodianos e muita TV que, juntos com sua formação em Animação e Desenho pela Escola de Belas Artes da UFMG, o ajudaram a construir um universo de imagens em movimento que são encontros com devires. A solidão se transforma em performance, que se transforma em testemunho do afeto familiar, que se transforma em olhar estrangeiro, que, por sua vez, transforma-se em brincadeiras e pesadelos infantis. Entre imóveis sujeitos em cena da série de animações intituladas com poéticos questionamentos (Se estou certo, porque meu coração bate do lado errado? (2004)1, Se me queimo no fogo do desejo, porque meus olhos ardem n’água? (2007)2) à impossibilidade de os corpos se manterem parados no inquieto espaço de Sem Passo, Sem Piso (2011)3, Batista faz do corpo dispositivo e depois experimenta o contrário, sujeita o corpo a um dispositivo que age sobre ele.
Na maior parte da série de animação, além dos nomes que são perguntas, há uma pessoa como centro da imagem. Tem a questão da animação – o sujeito em cena sempre está fixo,enquanto o ambiente, o cenário está mudando, é frenético. Daí tem essa questão, a única coisa que é fixa é o que dá a noção do movimento nessa sequência de fotos. E tem o lugar desse sujeito, de ser o centro da coisa, do mundo. Depois, quando eu faço o Sem Passo, Sem Piso, é meio uma resposta para isso. Porque ele acaba sendo o contrário, lá tenho o controle através do sujeito em cena que fixa a ideia de imagem, que fixa a ideia de mundo. No Sem Passo, Sem Pisoconstruo um mecanismo para fazer o filme que dita tudo. Ele dita montagem da câmera, ele e a câmera são uma coisa só. E dita, praticamente dirige na interferência dele, do espaço com o performer, ele também dirige a performance, ele aponta para onde vai a performance, para onde vai o vídeo, para onde vai a câmera, dentro do movimento aleatório dele (BATISTA, 2011).
Um corpo que vaga só pelo deserto de sal ou que parece ser observado pelos olhares das crianças africanas diante da câmera – ao assistir a vídeos de Bill Viola e Eder Santos em uma exposição em São Paulo no fim dos anos 1990, Batista reconheceu no vídeo um meio repleto de possibilidades de criação e que é mais acessível, principalmente após a disseminação das ilhas digitais. Um dos primeiros trabalhos foi o vídeo Vestes Recém Tiradas (2003)4 realizado a partir de um convite do artista Daniel Saraiva para uma experiência entre vídeo e performance. Convite aceito, uma câmera emprestada e a recusa de Daniel em dirigir ou predizer suas ações, Batista teve, como se costuma dizer, que ‘pegar o boi pelo chifre’. No vídeo, Daniel Saraiva arrasta-se envolvido por uma capa de couro de vaca pelo chão de terra de um curral e estabelece uma relação com os animais que remete ao afeto dos instintos primordiais.
A força do trabalho impressa nos gestos e imagens reverberou e Batista foi convidado pelo CEIA5 (Centro de Experimentação e Informação de Arte, iniciativa dos artistas Marcos Hill e Marco Paulo Rolla) para uma residência na África do Sul realizada em parceria com o grupo de artistas PULSE de Durban, dentro do projeto BlindSpaces / Espaços Cegos que propunha pensar “a cidade como o espaço do corpo. Um país como expansãodesse espaço de enigma inatingível. A sociedade globalizada como um elo nas diferenças”6. Desse intercâmbio de fortes trocas simbólicas, surge, entre outros trabalhos e ações, o vídeo Artifícios do Olhar (2004)7, realizado por Batista em coautoria com o artista mineiro Pablo Lobato. Nesse documentário as câmeras trocam de mãos com homens, mulheres e crianças que, entre olhares curiosos, sorridentes, compenetrados, perscrutadores, nos revelam um pouco mais de seus costumes através das imagens que captam. Artifícios do Olhar (2004) utiliza uma estratégia de abordagem generosa na medida em que faz da câmera um instrumento de empatia criando com as pessoas documentadas um compartilhamento de olhares e de espaços enquadrados. O vídeo surge da convergência de sensibilidades entre os artistas e as experiências vividas em meio àquelas paisagens e pessoas. Sobre esse vídeo Batista escreve: “Dar às pessoas de Durban a possibilidade de ver a si mesmas através da câmera. Quebrando o mito de que a tela do vídeo era algo inalcançável, destinado a poucos eleitos. [...]”8. As crianças que se apertam na frente do monitor da câmera ou cantam ao fundo enquanto Batista observa Henry Mshulolo, artesão local, fazer um autorretrato, são o ponto de partida do vídeo que desvenda espaços cegos e compartilha o desejo daquelas crianças Zulus: “Eu quero ver, eu quero ver!”
Após um período em que não realizou trabalhos autorais, o artista voltou o seu olhar para o próprio universo familiar e deu início a pesquisa documental que incorporou vídeos como Entre o terreiro e a cozinha9(2007), Bucólica I10 e Bucólica II11(2009),Saudade Doce12(2008) e a instalação Na Sala Nova da Casa (2011),apresentada no 30° Salão Nacional de Artes de Belo Horizonte – Bolsa Pampulha 2010/2011.
Entre o terreiro e a cozinha (2007)é uma declaração de afeto, cumplicidade e a revelação de como as noções estéticas se particularizam com o passar do tempo. O vídeo traz um encontro “entre avó e neto, causos, canção de ninar, uma discussão sobre o belo, e homenagens”13 que criam em quem assiste uma identificação com memórias e afetos familiares pessoais: