terça-feira, 23 de novembro de 2010

FAÇA COMO PUDER!!!!


   Alex Linfolfo / série fragmentos
Quem inventou o lema punk, Faça você mesmo! Também poderia ter incluido mais algumas palavras e dito assim, " Faça você mesmo e conte com os amigos!". Meus primeiros trabalhos não existiriam sem a ajuda de amigos. Marcelo Terça-Nada, Letícia Abreu, Kurt Navgator, Elton Amaral e Pedrinho Peixoto, publico aqui meu obrigado pelos empréstimos e colaboração na construção dos mesmos. Mesmo com a generosidade dos amigos tem uma hora que a indisponibilidade gera a impossibilidade. Até ser totalmente independente leva um tempo, se é que algum dia poderei realmente dizer que exista tal "independência". Depois que experimentar a camera alheia para os primeiros passos no audiovisual, fica difícil, não querer fazer mais. Ter, qualquer que seja o equipamento de gravação de imagens e sons a mão, continua prevalecendo como a melhor opção.


Agora portador da chama, troquei de papel e poderia possibilitar a entrada de outros amigos, também iluminados pela vontade de produzir, ao mundo do audiovisual, certo? Bem, não foi bem assim que eu fiz. 


Pouco depois de formado na EBA/UFMG, Alex Lindolfo me procurou, pedindo emprestado equipamento para fazer um documentário poético sobre sua mãe. A possibilidade de materializar o imaginário Minduriense, cidade natal do videomaker, já me dizia que ai vinha coisa boa dali. Preste a ceder ao pedido, perguntei a ele: - Você tem algum equipamento pra gravar audio e imagem? A resposta veio com a descrição uma camera fotográfica digital com baixa resolução de vídeo, que não gravava audio e um mp3 player que poderia resolver essa falha em um canal mono.


Vendo essa limitação como uma potencial aliada, principalmente no fato que se ele realizasse algo com o próprio equipamento, ele poderia seguir com alguma autonomia no futuro. Disparei uma proposta sentido a cabeça do rapaz: - Porque você não faz o vídeo com o equipamento que tem, do jeito que der? Se não der certo eu te empresto minha câmera. Encafifado com a idéia Alex sumiu por uns tempos. Quando o reencontrei, ele numa postura insegura me chamou para ver o material coletado em uma visita a casa da mãe. O material mesmo "precário" em qualidade imagem, era cheio de poética, apresentando um mundo que só Lindolfo conhecia. A imagem pixelada não nos priva em nenhum momento de sua potência poética. As coisas, os gestos, os fazeres, os causos da Mãe do artista. A canção  "o pai Zé acendeu a luz e o Xicuro foi embora, pai zé apagou a luz e o xicuro chegou, " nos remetem a maneira roseana de olhar para o próprio quintal e a partir de lá, expor toda sua beleza, sem nenhuma tentativa de facilitação ou aproximação de um contexto urbano. O que não significa que o vídeo seja hermetico, pelo contrario "Moça e chita, não tem feia nem bonita" (2007), é universal.


Esse é um belo exemplo de que a falta de um bom equipamento não serve como desculpa para deixar de produzir. Acredito que o desafio de produzir com limitações técnicas pode ser um desencadeador de criatividade, pra quem  se arrisca nessa frente. Alex Lindolfo segue produzindo sua obra. Eu fico feliz por ele ter topado o desafio.


Alex Lindolfo / Moça e chita não tem feia nem bonita

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O ARTEIRO



O silêncio se fazia a mais de 40 minutos dentro do carro, quando Maria Eduarda cessara seu repertório de canções infantis. O carro seguia sobre a estrada mal cuidada, cortando ao meio o horizonte de laranjais, escolhida a dedo para evitar os pedágios de São Paulo.  Andressa, filha de meu padastro, conduzia o carro sem que trocássemos muitas palavras. A falta de intimidade gerava conversas rasas que não rendiam mais que meia dúzia de frases trocadas a cada 20 ou 30 quilômetros. Aceitei a carona na esperança de chegar mais cedo em Belo Horizonte e assim dormir umas horas a mais antes da primeira reunião da Bolsa Pampulha. O percurso tranqüilo quase deserto contribuiu para que o pescoço embreagado de sono pendesse pros lados, perdendo de lavada a batalha com homem da areia. Senti toque sutil em minhas costas, leve o suficiente pra me despertar. Maria Eduarda havia acordado e necessitava me deixar ciente do fato. O toque veio seguido de uma pergunta: - Você faz arte?  Andressa e eu nos entre olhamos  achando engraçado ela tocar nesse assunto. Respondi prontamente: - Sim, eu faço! -Tá de castigo!!!  Gritava ela aos risos, presa a sua caderinha no banco de trás de carro. Insistiu ela - Você faz arte? Olhei pra mãe dela que assim como eu estava achando graça de tudo. - Acho que eu to perdido Duda, eu estudei quatro anos na faculdade de arte. - Tá de castigo!!! Se vangloriava ela, como um comediante frente a piada perfeita.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Ô Joacélio desocupado!!!


Algumas imagens nunca saem da cabeça, uma me atormentou por uns 3 anos. Minha avó retirava as entranhas de uma galinha.  Repugnante para muitos, para ela, usando suas próprias palavras dela: - Zefá olha essa banha. Que coisa maravilhosa!

O quer realmente minha avó via de belo naquilo ali?

Sempre tive a certeza que as imagens da matança de frangos para o casamento de minha mãe e a a beleza que minha avó enxergava acabariam em vídeo. Mas sinceramente não sabia como, uma hora ele apareceria sem avisar. Acredito que as coisas ficam na subconciente tomando forma, esperando pra acontecer.

Como de habito joguei minha camera DV no muchilão um tripé e fui pra cidade de minha avó, com planos de visitar um tio que a muitos anos não via. Queria filmar ele e seus jogos maravilhosos de contação de mentiras. Desde de criança ele e meu pai e conhecidos deles se reuniam em volta da mesa de café, disputando quem contava a mentira mais cabeluda. Sempre acompanhados pela broa da tia Marcina, responsável  pela avalanche de mémoria sensorial, que só não é melhor que o Tutú com linguiça dela.

O Grota fica 19Km de Abre Campo. Só se chega de carro. Não há linha de onibus ou van que faça o caminho, o que dificulta a visita a eles. Tinha três fitas para testar se havia ou não o embrião de um documentário. Mas o jogo não aconteceu sem a presença de meu pai. Tentamos fazer com meus primos, mas os causos contados por eles estavam muito "conteporaneos". A TV realmente faz suas vítimas. A tradição do  causo é uma delas. Pessoas como meu pai, meu tio e todos meus avós, que nasceram num cultura sem tv, são maravilhosos oradores. Sabem prender a atenção como ninguém. Ainda me sinto uma criança diante de história contada por eles.

Voltei pra casa da minha avó, com as fitas gravadas. Mas sobrara 40 minutos. Minha avó estava sobre a mira da camera. A pergunta que me atordova a tanto tempo deu sua graça e resolvi perguntar pra ela: - Vó, o que é bonito pra senhora? A resposta tá no documentário "Entre o terreiro e a cozinha".

A casa da minha avó materna representa o ultimo lugar da infância que não existe só na mémoria. Com o tempo consegui ver sobre o muro do corredor de entrada para a cozinha sem que ninguém me levantasse. Mas era como se isso não fosse verdade. De todo tempo em que frenquentei a cidade de minha avó, 60% desse tempo eu passei na cozinha ou no quintal dela. Hoje nem um nem outro existe mais. Construiram uma casa nova pra ela viver.

Gravei o que pude da casa dela no tempo que me sobrava na fita. Esperava o almoço, a mala estava pronta. Pegaria o onibus em duas horas. Aí minha avó com seu sorriso sapeca disse: - Vou ligar pra radio! Entendi a senha e ao mesmo tempo, bateu o desespero. Estava ali uma chance única de pegar minha avó demostrando afeto e não tinha nenhuma fita. Aproveitei o grito que veio da rua: -"Donaparicida!" Que a chamou a porta. Corri pro quarto. Desfiz a mochila. Precisava de 5 minutos que fosse pra filmar que iria acontecer. Tive que optar por uma imagem de meu tio em seu bar, pelo que estava pra acontecer. Escolha dificil mas necessaria. Cheguei a tempo de montar o tripe ligar a camera e gravar ela chamando a rádio.

Não sei se minha avó vê alguma utilidade no que eu faço, muito menos o que eu via de bonito na cozinha dela pra ficar filmando tanto.  Ela respeita embora me chame de "desocupado" toda vez que a gravo. Ironia pura, que sempre nos diverte. Acho q entendi o que ela vê como bonito. Também sei que ela não gostou de ver a cozinha dela exibida numa sala de cinema. Depois disso ela ficou muito cabrera quando chego com uma camera na casa dela. Aproveitei as 4 horas de viajem de volta a Belo Horizonte, para assistir todo o matérial. Cheguei e casa e fui logo capturando as fitas pro computador. O video estava pronto na minha cabeça era só juntar com as imagens que já não me torturavam mais.